quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Abre los ojos




Às vezes vamos ao cinema em busca de blockbusters, de comédias descompromissadas, de romances açucarados, filmes de ação com altas doses de adrenalina e outros de terror sanguinários. Porém, nosso cérebro também carece de cuidados e programas culturais com um pouco mais de conteúdo, digamos assim...
Então, semana passada fui ao UCI Norte Shopping, munido de boa companhia e boa vontade pra assistir o novo longa de Fernando Meirelles, Ensaio sobre a cegueira. Com roteiro adaptado por Don McKellar, baseado no livro de mesmo nome do cultuado Jose Saramago, o filme é uma experiência absurdamente diferente de vários outros que tive oportunidade de assistir.
Ouso dizer que nunca houve uma troca tão boa entre eu mesmo e um filme como em “Ensaio”. Ok, é um filme pesado, cru e cruel. Assim como em Cidade de Deus, Meirelles não poupa a platéia do asco e do choque com cenas de estupro, violência entre outros atos desumanos. Mas por que essa sensação bacana ao sair da sala de cinema? A comparação pode ser descabida, mas foi parecida com a que senti ao acabar de ver “The dark knight”. Ambos são grandes trabalhos, tratados com carinho e seriedade e algo assim é bonito de se ver, ainda mais em tela grande. Claro, com suas diferenças. Me desculpem os mais intelectualizados, mas o filme de Nolan é uma obra-prima. O de Fernando é excelente, cheio de significados. Por enquanto, deixarei Batman pra depois...
Voltando à “cegueira”, algo que me impressionou bastante foram as atuações viscerais dos atores. Desde o mais singelo papel interpretado ao + complexo, todos são feitos com afinco.
Danny Glover, apesar da pouca participação, comove como o Velho da venda preta. Mark Ruffalo empresta sua serenidade e sensibilidade ao médico. Alice Braga interpreta com sucesso a garota dos óculos escuros. Yoshino Kimura transmite as emoções em suas devidas dosagens logo na primeira cena do filme. Gael Garcia Bernal? Fantástico como o Rei da Ala 3, uma pena não ter tido mais cenas, merecia! E Julianne Moore, soberba!
Meirelles mostra que é um diretor que só melhora com o tempo, afinal, é preciso demonstrar e ter, de fato, muita segurança no projeto pra arrancar atuações tão (in)críveis como o filme precisa.

O mais bacana foi conhecer os personagens - como realmente são - quando ficaram cegos. Antes da epidemia, o médico e sua esposa levavam uma vidinha comum, rotineira e, ao que ficou visível, um casamento de conveniência (ao menos da parte dela). A garota dos óculos escuros era somente uma prostituta, o rei da ala 3 um barman e por aí vai... As nuances, o caráter de cada um só aparece quando eles perdem a visão. Caem as máscaras, eles estão despidos das “regras básicas” de uma vida em sociedade. Então aí sim, mostram sua fragilidade, sua crueldade, seus anjos e demônios.
A história começa quando um homem perde sua visão enquanto dirige. Mas não é uma cegueira corriqueira. Não há ausência de luz, mas excesso dela. Um desconhecido o ajuda a chegar em casa, mas rouba-lhe o carro. Mais tarde, sua esposa o leva ao médico que afirma jamais ter visto algo parecido. No dia seguinte, encontra-se na mesma condição que seu paciente e o mesmo ocorre com todos os outros que tiveram contato com o primeiro homem cego. O governo opta por colocá-los num hospício abandonado em quarentena e lá eles começam a sobreviver em condições precárias.
Alguns SPOILERS leves a seguir ;-) )

>>>>>>>>>>>> Conforme o tempo vai passando, as coisas pioram, a água é suja, alguns cegos não encontram o caminho pro banheiro (yes, asco! No higiene! Huashuauhsuhau), recebem cada vez menos comida, não há kit de primeiros socorros, nem o telefone de emergência funciona. Um verdadeiro inferno. Em meio a tudo isso, está a mulher do médico como mediadora. Se antes ela era a mulher dedicada que cuidava da casa e do casamento tedioso, agora ela é uma mulher forte que vem a se tornar uma espécie de líder (já que enxerga e mantém isso em segredo) dos cegos da Ala 1. O problema: na Ala 3 há um homem inescrupuloso, que já não tem medo de mostrar sua podridão, ninguém pode vê-lo não é? É o rei da ala 3, como se auto-denomina. Apesar de cego como os demais, faz valer a lei do mais forte ou do que possui uma arma e não tem medo de usá-la (“até que acerte alguém”, como diz). Assim, ele impõe condições cada vez piores e cruéis pra que ofereça a (pouca) comida às outras alas. A derradeira cena da tesoura deu gosto de ver e é aí que entra a questão: será que faríamos o mesmo que a mulher do médico? Chegaríamos a tamanho extremo, vivendo em condições precárias? As personagens chegam a viver como há tempos atrás, como homens primitivos. O que importa é sobreviver, não importa a que preço. <<<<<<<<<<<<<<

Comecei com o post com o título de outro filme, parafraseando o mesmo como uma espécie de convite: é pra entrar no cinema disposto a refletir sobre a cegueira que vivemos (cegueira da alma), sobre o quanto é preciso enxergar melhor aqueles com quem convivemos... ou sermos nós mesmos, sem rótulos ou máscaras.
Mais uma vez palmas a Meirelles, fazendo bonito lá fora e à toda equipe! Queremos mais filmes assim Fernandão!!


Trailer de Blindness


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